Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma que indígenas saíram do local no sábado e aguardam comitiva interministerial na Terra Indígena Guyraroká.
O grupo de indígenas Guarani-Kaiowá que ocupou uma fazenda em Caarapó (MS) e incendiou maquinários e a sede da propriedade na manhã de sábado (25) deixou o local ainda no mesmo dia, segundo informou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) neste domingo (26).
De acordo com o coordenador do Cimi, Matias Rempel, o incêndio na área de mata foi provocado por pessoas ligadas à fazenda.
Ele afirmou que um grupo de indígenas permanecerá na Terra Indígena Guyraroká, já demarcada, à espera de uma comitiva interministerial formada por representantes do Ministério dos Povos Indígenas, Ministério dos Direitos Humanos, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Ministério Público Federal e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
“Esse grupo dos Guarani-Kaiowá vai entregar a essa comitiva uma documentação, com relatos da violência policial sofrida, das ilegalidades, do processo territorial”, afirma.
O Cimi informou ainda que os indígenas aguardam o cumprimento, por parte dos governos, das responsabilidades sobre a área reivindicada.
Reações e posicionamentos
Em nota, o Sindicato Rural de Caarapó declarou que repudia o ato de invasão e incêndio e que acompanha os desdobramentos do caso.
Já os povos indígenas Guarani e Kaiowá Aty Guasu divulgaram nota afirmando que repudiam as declarações do sindicato, pois a área em questão é reconhecida oficialmente como território tradicional indígena desde 2011.
O governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, informou que reuniu uma equipe de governo neste domingo (26) para determinar investigação e punição dos responsáveis. Leia as notas na íntegra ao final da reportagem.
A administração da fazenda não foi localizada. A Polícia Militar afirmou que mantém o policiamento reforçado na região.
A ocupação
Segundo apurado pelo g1, cerca de 30 indígenas ocuparam a propriedade na manhã de sábado e incendiaram um trator e a casa da sede da Fazenda Ipuitã. Não houve feridos.
A região registra conflitos por terras há mais de um mês. Equipes da Polícia Militar, da Força Nacional e do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) estiveram na fazenda para monitorar a área, e helicópteros sobrevoaram o local para identificar focos de incêndio.
⚠️A fazenda fica às margens de uma aldeia e, segundo os indígenas, parte da área pertence à Terra Indígena Guyraroká. Parte do território já foi declarada oficialmente, enquanto a outra, onde está a propriedade rural, ainda está em processo de demarcação. Para os indígenas, o local é sobreposto ao território ancestral. Os fazendeiros afirmam que se trata de propriedade privada.
A Polícia Militar informou que os ocupantes expulsaram o caseiro e atearam fogo na sede da fazenda. As chamas se espalharam, formando densa fumaça sobre a área.
O coordenador do Cimi afirmou que a ocupação ocorreu após uma sequência de conflitos. “Categorizamos a ocupação como uma ação de segurança dos Guarani-Kaiowá, que segue sofrendo ataque pelo estado e pela fazenda. Esta é uma medida de ocupação para precaver a própria vida, as vidas dos indígenas.”
Há uma semana, cerca de dez Guarani-Kaiowá que ocupavam outra área em Caarapó foram atingidos por balas de borracha. Entre os feridos está Valdelice Veron, uma das principais representantes da etnia no estado.
O Cimi também relatou que, desde a retomada das terras, famílias indígenas vêm sofrendo ataques ilegais de forças de segurança, sem ordens judiciais de reintegração de posse.
Fazenda está às margens de aldeia e sobreposta à Terra Indígena
O local ocupado é uma área de retomada, considerada terra ancestral e em processo de demarcação. O processo específico da Fazenda Ipuitã está parado no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2016.
Em 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), determinou que o Estado brasileiro adotasse medidas para proteger a vida e a integridade pessoal dos Guarani-Kaiowá da comunidade Guyraroká.
Conforme relatório da comissão, em 2009 o governo reconheceu que as terras onde a fazenda está inserida pertencem aos indígenas. Os Guarani-Kaiowá buscam a retomada da área desde 1999.
Área é investigada por uso indevido de agrotóxicos
Além da disputa territorial, os indígenas afirmam que os proprietários da fazenda aplicam agrotóxicos durante o plantio. O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) abriu investigação para apurar denúncias de uso irregular de produtos químicos na área.
Segundo o MPMS, ofícios foram enviados à Polícia Militar Ambiental (PMA), à Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro), ao Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) e à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) para verificar a situação.
A investigação ocorre após a retomada da fazenda pelos Guarani-Kaiowá, que também pedem a resolução da demarcação das terras, parada há mais de uma década.
Notas na íntegra
- Sindicato Rural de Caarapó:
“O Sindicato Rural de Caarapó, por meio de seu presidente Carlos Eduardo Macedo Marquez, Cacá, e de toda a diretoria, repudia veementemente o ato de invasão e incêndio ocorrido na manhã deste sábado (25), em uma propriedade rural do município, conhecida como Fazenda Ipuitã.
De acordo com informações divulgadas, cerca de 50 indígenas armados invadiram a fazenda, expulsaram o caseiro e incendiaram parte da área produtiva, atingindo maquinários e plantações. Tais ações representam graves violações ao direito de propriedade, colocando em risco vidas humanas e o patrimônio de famílias que vivem do trabalho no campo.
Observa-se que essa ocorrência se soma a outros episódios de conflito registrados nas últimas semanas, na região conhecida como aldeia Guyraroká, onde produtores rurais vêm enfrentando um clima de tensão constante e insegurança.
O Sindicato Rural de Caarapó reafirma sua posição firme em defesa do produtor rural e do cumprimento da lei, destacando que a violência, a destruição e a invasão não são caminhos legítimos para qualquer reivindicação. A entidade acompanha atentamente os desdobramentos do caso, mantendo contato com as autoridades competentes para que a ordem seja restabelecida e os responsáveis responsabilizados.
O Sindicato reforça, ainda, seu compromisso com o diálogo e a busca por soluções pacíficas e justas, mas deixa claro que não compactua, em hipótese alguma, com atos de invasão, ameaça ou depredação de propriedades privadas.”
- Povos Guarani e Kaiowá Aty Guasu:
“Nós, povos indígenas Guarani e Kaiowá Aty Guasu , repudiamos com firmeza as declarações divulgadas pelo Sindicato Rural de Caarapó, que tenta criminalizar nossas comunidades e espalhar desinformação sobre a retomada da Terra Indígena Guyraroká.
A nota do Sindicato distorce os fatos e ignora que a área em questão é território tradicional indígena, reconhecido oficialmente pelo Estado brasileiro desde 2011.
Não houve invasão armada, mas sim uma retomada legítima e pacífica de território ancestral, onde vivem famílias Guarani e Kaiowá que lutam há décadas pelo direito à terra e à dignidade.
Repudiamos também o discurso de ódio e racismo que se espalhou nas redes sociais após a publicação do Sindicato, com comentários incitando violência e extermínio contra indígenas.
Essas falas configuram crimes de racismo e incitação à violência, e exigimos que as autoridades investiguem e responsabilizem os autores. Nossa luta é pela vida, pela terra e pelo respeito. Não aceitamos mais ser tratados como invasores em nossas próprias terras. A Constituição Federal garante nossos direitos, e o Estado brasileiro tem o dever de proteger nossos povos.
Pedimos o apoio da sociedade civil, organizações de direitos humanos, MPF, Funai e Defensoria Pública da União para acompanhar o caso e garantir a segurança das famílias Guarani e Kaiowá diante do clima de ódio e ameaças que se intensificam em Caarapó (MS).
Seguimos firmes na luta por justiça, pela demarcação e pela paz em nossos territórios.”
- Governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel:
“Reuni equipe de governo na manhã deste domingo para determinar rigorosa investigação e punição dos responsáveis por mais uma invasão de propriedade rural no município de Caarapó, que terminou com a expulsão dos proprietários, destruição de maquinário, insumos e a sede incendiada e destruída.
As forças de segurança do estado já estão agindo para responsabilizar estas organizações de aliciamento, manipulação e exploração da boa fé de um reduzido número de indígenas.
Importante separar estes grupos criminosos da imensa maioria das comunidades indígenas, atendidas diariamente por políticas públicas efetivas, com fortalecimento da cultura, resolução de décadas de falta de água em Dourados, atendimento de demandas de segurança e educação, garantia de direitos e dignidade, e a busca de soluções que garantam a paz no campo.
Não iremos retroceder no trabalho de fortalecimento dessas políticas, e no combate efetivo aos que alimentam o caos, criam dissensões, exploram a miséria e se locupletam da dor dos menos favorecidos, com interesses muito além das questões fundiárias.
Meu compromisso permanece em manter o diálogo com todas as partes, em articulação com a União e o Judiciário, para que tenhamos decisões firmes, justas e que assegurem paz, dignidade e segurança a todos.”